A arte de desescrever
Atualizado: 4 de mar. de 2019
Será escrever uma arte ou algo banal, comum a todos que teclam?
confesso, depois de quarenta anos, ainda ter dúvidas socratianas se escrever é uma arte ou apenas um conjunto espúrio de confissões a serem escritas
Não tenho certeza de nada. Escrevo desde os 10, 11 anos. Lembro de rascunhar uns versos e mostrar a um colega de meu pai, ambos trabalhavam em uma casa de móveis coloniais em Copacabana, a Velha Bahia. Depois vieram redações e redações, umas laureadas em sala de aula, outras passadas a limpo e lidas em voz alta em casa, perto do jantar. Meu pai sem dúvida tem muito a ver com isso, mesmo sem ter a mínima noção de que me incentivava, ao escrever seus livros que nunca foram publicados, ao tocar seu violão Gianinni em serestas nas quais ele participava, e onde eu me sentia um passarinho sem ninho. Preferia ficar em casa e folhear com um imenso prazer as páginas da Mirador que ele deixava meio que secreta em várias caixas, longe de todos, como se fosse um tesouro. Eu aproveitava qualquer oportunidade e de forma ardilosa o visitava, sorrateiro, sempre que mamãe se distraía e meu pai não estava em casa. Eram algumas horas lendo os verbetes e me encantando com as fotos, muito antes da internet tornar tudo vulgar e por demais acessível. Claro que a rede é incrível, mas que havia um ritual litúrgico ao passar a mão sobre as imagens coloridas, elas adquirindo vida e várias dimensões, entrando em uma máquina do tempo e de teletransporte ao mesmo tempo, que me propiciava viagens à vera, tão reais quantos é possível para um moleque de 10 anos. O tesouro fora encontrado por mim e eu não revelaria seu paradeiro nem ante a possibilidade de levar umas palmadas.
Após a ida para o segundo grau, o ensino médio de hoje, encontrei uma professora que foi uma espécie de mentora, dona Lourdes, incentivadora contumaz de meus textos, que proliferavam feito água em mina nova; ela certa feita escreveu em tom de queixa por que as meninas não olhavam para mim, e hoje comparo tal indagação àquela que o Paralamas fez com a ótima Eu uso óculos; nesse tempo eu já morava no Engenho da Rainha, cerca de quatro anos antes eu aportara no subúrbio, vindo de uma crise familiar avassaladora, onde meu pai morto continuava incentivando-me, também sem saber, eu supunha.
Confesso, depois de quarenta anos, ter dúvidas socratianas ainda se escrever é uma arte ou apenas um conjunto espúrio de confissões por serem escritas. Hoje ao teclar virtualmente qualquer um pode ser um escritor, não precisamos mais de editoras ou editores, o que nos torna a todos de algum modo menos dependentes do outro, o que não sei sinceramente se é o melhor dos mundos, mas ao menos postamos nas redes sociais o que achamos ser a síntese do universo, a resposta aos mais perenes medos. Colamos e copiamos como nunca as frases, os versos, as palavras e os silêncios, sem pagar direito autoral algum. Tudo de certo modo é de todos ao cair na rede, basta ter linha e vara para pescar.
Continuarei tecendo minhas considerações, que posso até intuir como finais, não querendo que sejam, acho que o mérito aqui é continuar, tendo a mera ilusão de que escrever é uma arte, para poucos, ou talvez apenas uma maneira menos sábia de desescrever.
Waldir Barbosa Jr.
Imagem: acervo gratuito do Wix
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