A moça que ficou velha em alucinante passo de coelho

Não deixemos nossas lembranças apagarem...

Marie Thérèse apoiada sobre os cotovelos

Alguém falou lembranças?

Rita de Cássia não morreu, apenas apagou-se, suas células foram sofrendo uma espécie de inexorável desintegração, mas não houve, como podem pensar as senhoras e os senhores, os meninos e meninas que estão a ler esse breve texto que envio de algum lugar distante, sofrimento que estivesse além do previsível.

Sua história, sua pedra fundamental, começou não se sabe quando, falam as vernáculas línguas que não foi há muito, posso ouvir daqui os gritos que revelam outras vindas ao mundo, são genitoras e genitores que não escondem as felicidades de colocar mais uma sementinha no universo. Intuo, ato pensante, que daqui a não muito tempo teremos resenha, encontro de interesses comuns, a debater os temas mais insólitos e provocantes para a humanidade descrente. Rita se desenvolve a leite de maçã e muita vitamina E, comprovam as selfs que seus mentores postaram na nuvem e nos álbuns da rede.

A menina cresceu em ritmo vertiginoso, parece ter parentesco direto com aquela da experiência, está que é uma belezura só, ativa e retumbante, meia-verdade seja postada que ainda tem lapsos e algumas perdas de apetite, nada que uma nova sessão de autorretratos ou dois ou três stories não amenize, aliviando sobremaneira qualquer sintoma de depressão ou loucura pós-moderna.

Rita chegou à idade perfeita para o amor muito velozmente, não sabe o que fazer com ele, o amor, não com o amado, pois esse ela desconhece que não corresponde ao sentimento assaz genuíno e verdadeiro que ela diz ter pelo mesmo, que aqui e em Portugal são representados por emojis diferentes. A moça, em tempos distintos (pois onde habita a forma de calcular períodos de tempo foge ao nosso mundano entendimento), quando se viu no espelho de um lago, ainda que poluído por tantos pedidos de redenção, sem mecanismos de edição nem de colagens constatou a passagem dos anos, e em profunda consternação se pôs a correr; muitos que a viram nessa condição estranharam o alienamento em que entrou, e até juntaram-se em grupos de zap - vários deles - para tentar entender o porquê, mas diante dos que desrespeitam as regras de boa convivência, debandaram de tal modo que os gestos solidários resultaram em coisa nenhuma. A moça, que ficou velha em alucinante passo de coelho, antes de sumir das redes, apagou seus perfis e virou uma lenda na internet.

Waldir Barbosa Jr.

Imagem: Marie Thérèse apoiada sobre os cotovelos, Pablo Picasso, Paris, 1939, óleo sobre tela