Buceta e Pau ou Dois amantes em folia de domingo
Atualizado: 12 de mar. de 2023
Conto que concorreu à terceira edição do Prêmio Rio de Contos 2022 e não ficou entre os 26 escolhidos
Amar é calar a trama.
É inventar! É magia!
As palavras engenhosas
E os teus dizeres do dia
À noite não tem sentido
Quando arquiteto a elegia.
Terceira Elegia, Hilda Hilst
Acordou em sobressalto, madrugada fria, rara na cidade desdita. O outono rascante parecia querer tomar o lugar do inverno, o vento navalhando a pele e sangrando a alma. O corpo dela não deixava que o seu enregelasse, pertinho do seu, a bunda carnuda encostada nele, serpenteando e encaixando em sua carne, faca amolada lhe fodendo o corpo de tal maneira que o suor que gotejava de pouco em pouco virou um fluido viscoso e corrediço assim que ele gozou, soltando um gemido que beirava o primitivo. Ela levantou para se limpar, ele virou-se, e antes de cair no êxtase seguido do esforço que fizeram, disse te amo gostosa. Ela, ao voltar do banheiro, vestia um roupão grosso de algodão, continuava nua por baixo. Ela ligou a tv baixinho, perdera o sono, zapeou cerca de meia hora antes de dar-se por vencida e entregar-se aos cuidados de Morfeu. Pesadelos terríveis tiveram os dois. Ele lembrara no café, por volta das dez - era domingo, dia de encontro -, de estar em uma casa bem antiga, em uma banheira antiga, aparentemente sem pensar em nada, quando batidas do lado de fora o arrancaram, levantou-se e foi ao encontro da porta. Estava nu, e ao lembrar-se já foi, um estrondo e a porta o arremessou de volta à banheira. Frame a frame mãos o afogando, órbitas dos olhos pulando feito massa de pão cru espremida, antes da escuridão abrupta e final tomar conta de tudo. Viu que seu assassino era uma camarada até que bem apanhado, moreno, cabelos como os de um índio, os olhos amendoados lhe fitando rápido, com certo desprezo, a boca entreaberta parecia sorrir um sorriso mínimo, não deu tempo de pensar mais nada, o próprio grito rasgou a garganta, quase o ejetando da porra do bad dream. Checou se ainda estava vivo, o espelho do banheiro lhe dizendo que sim, um sentimento sobrenatural lhe dizendo que não, no ritmo da música do Gonzaguinha (porra, ele era velho pra caralho). Foi a vez dela lhe contar o seu: eu tava em uma estrada de barro, nua, sem destino, um carro em velocidade passa por mim e lá na frente decide parar, dá ré; eu tenho medo, mas ao mesmo tempo curiosidade, quem será que quer me dar carona na porra do nada, nesse breu? Quando o carro emparelha comigo eu tenho cem anos, minhas mãos e pernas são veios profundos de velhice, minha buceta não tem mais pelos, estou completamente terrificada. A janela abre pelo lado do carona, um rosto se aproxima e eu vejo uma mulher bonita pra caralho, os cabelos negros e longos, lindos caracóis me chamam a atenção, ela me estende a mão, reparo na pele sedosa e brilhante, mesmo na escuridão, a porta abre, eu entro; quando fixo meu olhar no dela sou só vazio, a mulher sou eu, posso jurar que sou eu...
Tentaram entender os pesadelos, desistiram. Eram cerca de onze agora, terminaram o café e deram mais uma. Foi uma trepada intensa e esquisita, as histórias se entremeando na mente dos dois. Ele começou descendo pela cama e chupando sua buceta com força, quase lhe arrancando as vísceras, ziguezagueando a língua e desenhando mentalmente o infinito, o fazia com tal desenvoltura que ela começou a gemer baixinho no início, aos poucos mais forte, fade in de tesão que subia de volume; começou a acariciar os mamilos, ele parou a chupada para olhar rapidinho, os bicos pareciam que iam explodir de tão duros, ficou de pau ainda mais rígido, antes de voltar com a língua para o grelo intumescido a viu começar a chupar os mamilos com a língua vermelha, rosa sangue, dando mordiscadas leves e viris, gemendo a cada vez que mordia com mais força; ele sorriu de leve, desceu e lambeu seu pequenos lábios suavemente, abocanhando seu grelo agora enorme; desceu uma estação e começou a lamber seu cu de leve, depois enfiando a língua. Ela se contorcia como uma serpente gigante, as pernas se aproximavam e apertavam a cabeça dele como em golpe de judô, ela em certo momento tocou em suas mãos e deu a deixa, era uma espécie de código que eles tinham, um matte que correspondia a dizer vai fundo garoto, it’s time! Ele enfiou o indicador de leve em seu reto, não antes de lubrificá-lo, era uma marcha sagrada e profana, que iniciava de maneira tímida, o dedo ia até um terço de seu canal retal, ia e voltava, voltava e ia, como se não quisesse mas quisesse, ela ia levitando a cada penetrada, até que ela própria trazia o quadril para a frente em um movimento de yoga que eles chamavam anuyoga, um neologismo do sânscrito permitido apenas a eles usar em momentos como aquele, indicando que era a hora de enfiar o dedo inteiro. Agora ele fazia movimentos delicados e ritmados, como se o coçasse com um amor imortal e derradeiro, tudo isso enquanto o indicador e o anelar da outra mão sintonizavam o ponto G, sim, havia um ponto G, era feito de pequenas saliências, que ele tocava como um virtuoso, um harpista que dedicou a vida a fazer de sua paixão o seu ofício. Ela estava bem próxima de explodir, a vagina úmida e inchada, uma fruta madura pronta para ser aberta e eviscerada, essa imagem de vísceras espostejadas lhe soou forte e nojenta, mas verdadeira. Ele intensificou os movimentos dos dedos e da língua, até o ponto em que um uivo saiu dela e percorreu o apartamento antigo em que ficavam no Flamengo, reverberando até morrer nas cortinas do quarto de fundos – o maior deles, o outro era um mini-escritório. Ele a contemplou tendo seu gozo orgiástico, os olhinhos negros de soslaio rindo dele e para ele. Ele ainda ficou de arquibancada, vendo sua buceta desinflar como um balãozinho, o grelão ficando grelinho, mas imponente ainda em sua magna pequenez, os lábios contraindo-se como alguém que discursa horas e se convalesce agora extenuado. O sono dos vencidos pelo sexo prolixo de uivos e alguns palavrões-chavões (caralho, porra, enfia os cinco até o fim). Estava também cansado, não tinha forças nem para uma punheta. Deitou-se ao lado dela como um voyeur, admirou-a por uns dez minutos, adormeceu também.
Acordaram por volta de uma da tarde. Ela primeiro. Ele quis ficar mais um tempo, de preguicinha, ela não deixou, despertando-o com beijos no pinto. Vamos ver um filme? Pedi um Ifood, comida japonesa, tudo bem? Ele fez que sim, sorriu e foi ao banheiro. Tomaram banho juntos, dessa vez não teve sacanagem. Zapearam pela Netflix e escolheram um filme do Scorsese, Taxi Driver, com De Niro, Cibyl Sheppard linda, Jodie Foster novinha, um talento nato. O japonês chegou, comeram acompanhados de uma Stella hipergelada, bem devagar, conforme o filme avançava. Filmaço. Se perguntaram por que nunca haviam visto, sei lá, ele disse, sempre achei que era chato, ela eu também, riram disso. Deram um tempinho para a digestão, que tal enquanto isso ver um documentário? Pode ser, mas não pode ser nada muito pesado, você sabe, eu sou sugestionável, fico impressionado, ele disse. Ela, com muito mais estômago que ele, tá bom, que tal esse? Era sobre trotes que adolescentes pirados fazem nos estados unidos, passando notícias falsas de atentados a bombas ou de atos terroristas em locais aleatórios e que nada tinham a ver com os fatos, causando uma merda danada e até a morte de um camarada que não tinha porra nenhuma com isso, tomou um balaço de ar-15 no peito sem saber o porquê. Coisa de gente de alma estranha e ruim, fossem caçar uma xereca para comer ou uma vara para chupar, isso não era brincadeira que se fizesse. O documentário tinha seis episódios, viram os dois primeiros. Cinco da tarde. Ele a olhou meio que sarcástico, meio que reivindicando a sua vez de ser agraciado. Ela retribuiu com uma gargalhada, dizendo será que você merece? É, acho que sim, tem se comportado direitinho. Ele estava nu, não havia o que desabotoar. A aproximação de sua boca quente já fez seu pau estremecer e envergar, não era um pau enorme, de negão, era um pau mediano, digno, mais grosso que longo, e que lhe preenchia de modo muito satisfatório, pelos menos ela sempre lhe dizia isso durante a foda e mesmo depois de gozar umas três vezes ela repetia o bordão seu pinto é feito sob medida pra mim, isso o pavoneava por dentro, era uma ereção anímica provocada pelo Viagra verbal que ela lhe injetava. Começou em pequenas pinceladas de língua, parecia que o pênis dele era uma tela onde uma artista preocupada com os detalhes mantinha o contato ideal, ora pegando-o inteiro, firme, dando leve batidas na face, massageando as bochechas como se passasse um desodorante rollon nas axilas, ora dava mordiscadas leves e sensuais, olhando-o com um respeito que nem ele tinha pelo próprio membro. Ele olhava e fechava os olhos de maneira intermitente, como um farol de trânsito, entre o amarelo e o verde, o sinal estava verde para ela; começou a engoli-lo, sofregamente, percebeu que ela sempre parecia querer dar uma golfada, de sua uretra saía um fio fino de esperma, ela dizia segura essa porra aí! E dava uma sonora e gostosa risada sacana, ao que ele respondia como menino comportado, puta que pariu, tu chupa bem para caralho! Ela você sabe, eu já fui profissional... E faziam um break rápido para rirem os dois, conectados um ao outro pela piroca dele. Ela voltou a engolir até a metade, voltava, ia de novo, às vezes com mais intensidade, às vezes mais lenta e calculadamente, sabia o ponto certo de diminuir a pressão, ela dizia saber a hora de tirar a boca do seu pau e controlar a latência. Ela não gostava do gosto de esporra. Engolir nem pensar, ele ficava meio puto, queria explodir em sua boca, ver sua boca transbordar o caldo espesso e com cheiro de azedo que ele tinha para expelir, ainda que já tivessem feito amor umas três vezes naquele dia sempre tinha uma dose extra, uma espécie de reserva estratégica. Porra, essa porra não seca? E novamente riam disso como dois amantes que se amam e se suportam, que se cumpliciam nos atos infames e ordinários que a vida lhes impõe mormentemente. Chupou seu cartucho cerca de 20 minutos, intercalados pelas pequenas paradas, ele disse pode parar, deve estar cansada, ela então subiu nele e o montou como em um cavalo selvagem, dando pinotes como se tentasse domá-lo, ele já estava com a bala na agulha, uns três minutos de intensa movimentação e gozou com força dentro dela, ela pediu que gozasse gostoso, ele o fez de bom grado.
Juntos fizeram torta de banana, que os dois adoravam, a massa crocante e glúten free, a banana caramelada intercalada com doce de leite do bom, mais banana, mais doce, finalizada com chantilly caseiro, ela era chef de cozinha, ele um gourmand e aprendiz de feiticeira; se beijaram diversas vezes, o amor inesgotável, era imorrível, transcendente, um amor de cem anos de solidão. Comeram a torta inteira enquanto assistiam aos capítulos restantes da série que haviam iniciado mais cedo. Discutiram ao final política, Bolsonaro, Lula - Ciro como terceira via? Não! -, ele era professor de filosofia, dava aulas no IFCS, que ficava no Largo de São Francisco. Foi lá que se conheceram, e nunca mais se desgarraram, os domingos há muito tempo eram seus, e nada era capaz de macular aquele compromisso mais que religioso, necessário, vital para suas almas. Capaz de um morrer e o outro ficar ali para sempre, velando o corpo morto, vê-lo decompor, putrefazer com tal ternura e entendimento da desconstrução que alguém que não soubesse do que tinham diria necrófilos, insanos, psicopatas sociais. Verdade que não gostavam muito mais de gente, preferiam os bichos, mas desde que haviam morrido Lívia e Rodolfo, o casal de gatos pelocurto que adotavam quando voltavam de uma viagem a Friburgo, quase no fim da serra, fizeram a escolha de um pelo outro, do outro pelo um, uma unicidade atípica e quase doentia, era fato, trabalhavam aguardando com ansiedade pelo profano dia dominical, as muitas fodidas que davam durante esse dia, arquivando tudo em seus corações de humanos enfastiados pelo externo, pela terceira Guerra que se aproximava, pelo desgoverno nefasto que transformava tudo em merda, gente de merda apoiando um genocida com a bandeira envolta no corpo, uma mixórdia de auto-imolação ou esfacelamento do cérebro devia ter acometido esse novo mundo que viera há algum tempo se projetando no universo, e eles eram o que deve ser chamado de amantes de um mundo antigo, jurássico, com mais delicadeza, como na música do Chico.
Eram quase dez agora, estavam meio que cansados, mas ao se olharem uma centelha de devassidão os acendeu, tocando fogo na xereca dela, eriçando os pelos, a pica dele estendendo a bandeira de quero te comer, ou ser comido, afinal não era ela que o engolia com a região pélvica, pauzófaga e delirante? Ela quis tomar no cu de quatro, assim, sem muita frescura, apenas pediu que ele enchesse o pau de lubrificante, ao vê-la de bunda para ele, o anel entre rosa e nude, ele sentiu um arrepio percorrendo a espinha, agradeceu aos deuses que ela existisse e o amasse, a cabeça do pau estourando de tão inchada, o vermelho latejante parecia que ia expelir sangue, mas o que saiu depois de alguns minutos de feroz e lúbrica penetração foi um jato quente e espumante de porra da melhor qualidade, ela gemia enquanto a pica entrava e saía, ele ao mesmo instante em que, privilegiado pela posição que o permitia acariciar seu grelo com fricções feitas com a devida motricidade pelo indicador, olhava para seu dorso e se imaginava em um céu que misturava pequenos diabos miniaturizados, com a face sarcástica e sublime de uma massa etérea que bem poderia chamar de Deus, o criador da mulher e do homem, e dos sexos, e do gozo pagão que ofendia apenas os filhos Dele Eles eram apenas dois órfãos em busca do Santo Graal, não do perdão de Deus. Bateu meia-noite. Fizeram sua higiene noturna e adormeceram grudados, com um edredom velho, mas muito macio, por cima dos corpos nus.
Por volta das sete da segunda-feira tomaram um rápido café e se despediram com um longo beijo, com uma languidez comovente e verdadeira. Prometeram novamente se falar durante a semana por mensagens, até o próximo domingo meu amor, até, querida.
Waldir Barbosa Junior
@anfetaminadialetica
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