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Como o pensamento pode mudar suas teorias de tudo sobre as trevas

Atualizado: 4 de mar. de 2019

Diante das certezas, melhor duvidar de tudo


Teoria de tudo
Teoria de tudo
Nas páginas que seguem não vou me deter em descrições de pessoas - a não ser quando a expressão de um rosto, ou um gesto, apareçam como sinais de muda mas eloquente linguagem - porque, como diz Boécio, nada é mais fugaz que a forma exterior, que perde o viço e muda como as flores do campo com o aparecimento do outono (...)
O Nome da Rosa, Umberto Eco

Desconfio das certezas. Tenho inúmeras dúvidas. Caminho, logo insisto. As teorias me fascinam, sejam elas sobre novas e panaceicas dietas - low isso, more aquilo -, sejam as que reorganizam o universo, as que afirmam que o ovo é o vilão da sociedade moderna, ou o heroe das neo-estruturas linguísticas.


Essas realocações de conceitos me causam deliciosas suspeitas, confesso-lhes. O que era esquerda é hoje o que está "à esquerda" do centro, do ponto de equilíbrio do que é tido como conservador, ou é o que está ainda mais distante de nossas "direitas"?

É a busca pela dignidade, por redistribuição de renda, por igualdade de chances, por uma frestinha de sol ou de luz do luar?


Hoje vive-se intensamente a medievalização dos tempos que nos cercam; estaríamos portanto pelo que se diz à boca enorme das redes anti-sociais no limbo das potencializações que não se concretizam? Estamos em uma fenda espaço-temporal que em muito se assemelha à maldita Idade Média?


Vamos tentar entender isso: Idade Média é o período temporal que fica delimitado entre os séculos V e XV, não caracterizando, contudo, que não carregue algo do período anterior, conhecido como Antiguidade, e que não espraie suas ideias e realizações pelo período imediatamente posterior, a Idade Moderna; satanizar esses quase cinco séculos transcorridos entre luz e sombra meramente porque como em TODOS OS OUTROS houve avanços e retrocessos científicos, políticos e sociais, ligados ou não à fé cristã, me parece uma literal doidice na forma de se olhar a história em perspectiva.


Nesse período, dei uma pesquisada até para não falar bobagens, tivemos Dante Alighiere e sua Comédia, o maior poema filosófico-religioso de todos os tempos em minha rasa opinião, obra superior até à tão iconoclástica Bíblia. Não bastasse esse evento digno de Facebook, tivemos também a difusão da Escolástica e da feroz palavra de Aquino, com suas Summa contra gentiles e Summa Theologiae, dentre tantas outras, que defendem a fé cristã como pressuposto básico da existência terrena, reafirmando o respeito indiscutível à Igreja como único meio de redenção humana, o que convenhamos, não é à luz da modernidade algo tão meritório, Lutero e sua reforma protestante balizaram essa insatisfação com a fides católica.


Aqueles que aceitam pela fé as verdades que estão fora da experiência humana não creem levianamente, como aqueles que, segundo São Pedro, seguem fábulas engenhosas (2 Pe 1, 16).
Summa contra gentiles, São Tomás de Aquino

Dirão os doutos, os sábios pós-modernos que a alcunha de Idade das Trevas talvez até esteja mais relacionada à peste negra, ao feudalismo e ao senhorialismo estabelecidos na Baixa Idade Média, que corresponde aos últimos dois séculos de sua continuidade, porém, durante quinhentos longos anos muitos episódios se desenrolaram, ocorrendo movimentos de imposição da Razão soberana ante a Fé espiritual, liderados pelo frei franciscano Guilherme de Ockham e sua Navalha (já são notórias as referências ao Guilherme William de Baskerville de O Nome da Rosa, de Umberto Eco, assumida inspiração do semiólogo e escritor italiano), bem como tentativas bem intencionadas de se reverter as perspectivas ante o potentado papal e suas eternas trocas de favores, fenômeno que ocorre até os happy days de nossa vida loca vida.


Pareceu-me uma resposta ditada por deseducada empiria, mas aprendi em seguida que os homens de sua terra frequentemente definem as coisas de modo a parecer que a força iluminadora da razão tenha pouquíssima serventia. O Nome da Rosa, Umberto Eco

Trevas por trevas, o que vivemos na idade Moderna e nessa, que muitos chamam de Contemporânea e outros de Pós-moderna, é um estranho e denso turbilhão de ideias, teorias e conspirações que em nada deixam a dever à escuridão estabelecida naquele período longevo e de tantas mãos e contramãos. Também é fato que o Cisma do Ocidente, com seu racha papal, e o funesto período das inquisições, quando os que questionavam o poder temporal da Igreja eram torturados e queimados sem provas, se deram no meio dessa timeline, corroborando ainda mais a pecha de Período negro.


Fechando o microscópio da história social sobre o Brasil, ainda que note-se certa tentativa de passar o arrastão nas bruxas de governos anteriores, minimizando a ação dos opositores e dos heréticos, bem como daqueles que refletem e buscam aprofundar as discussões empunhando o princípio inalienável do contraditório, o que me parece que prevalecerá será a luta por continuar a desnudar a hipocrisia embutida nas propostas colocadas na mesa e sob ela, nos levando talvez ao ponto máximo da distensão social, mas torço para sem cair na barbárie supostamente atribuída apenas à Idade Média.

Enquanto a olhá-lo eu, fixamente, estaco,

fitando-me, co’ as mãos rasga-se o peito,

e diz: “Agora vê como me achaco;


vê como Maomé está desfeito,

vê em frente Ali, e dele ouve os gemidos,

co’ o rosto de um só golpe contrafeito.


E os outros todos, que vês reunidos,

semeadores de escândalo e heresia

em vida, aqui por isso são ofendidos.


Divina Comédia, Inferno, Canto XXVII, Dante Alighiere



Waldir Barbosa Jr.


Imagem: acervo gratuito do Wix


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