Secretas inspeções na urna de sangue branco
Atualizado: 13 de mar. de 2023
Desces a rua em sangue lento
e há servidão em teu cansaço.
Há multidão se esquivando ou passos
que não se revelam, são disparados.
Há crime amedrontando o padre
com seu deus escorregando em falsos
mancos teoremas ou cacos?
Prossegues na rua em sangue lasso,
há pulsação, leve como um barco,
mas que dirá do mar se peixes se jogam à terra
e aves gorjeiam com asco e falta de ar?
Insistes na rua em sangue inapto
e constatas que o mundo é menor que um frasco,
que o perfume das flores é só um aroma emulado,
distópico cheiro de vala.
Sustentas a rua com sangue pálido,
incapaz de imprimir na calçada teu deneá.
Tens os olhos na missão e a boca no grito
que reverbera e chega em um tempo vazio.
Queres no palco brincar de circo,
rir dos palhaços, fazer malabarismo
mas sobre o picadeiro devastado
só há inimigos e pseudo-democratas
esperando o último suspiro
pra enterrar o riso e vestir o tesão do viço, juvenil e impossível
- teremos de ressonhar sobre escombros.
Crês subir a rua imerso em sangue de utopias,
inverter no futuro as luas, sabotar o míssil,
fazer um pão mais resistente à iniquidade dos famintos
ou à ceia nepotista, lambança dos eleitos.
Mas a rua acaba na curva, reduzida a limbo
e nem há comícios na praça proibida,
há uma república chula,
um maquiavelismo que copula sob uma luz demente,
um branco transfuso, à beira do capitólio
(longe da rua tudo se desnuda
até à total desintegração da urna,
levada após essa inspeção noturna
pela sombra pusilânime e peremptória)
Waldir Barbosa Jr.
@anfetaminadialetica
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