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Tudo em todo lugar ao mesmo tempo... Agora

Uma análise sintética do filme ganhador de 7 Oscar


Tudo em todo lugar ao mesmo tempo
A coisa mais incompreensível sobre o mundo é que ele é compreensível. Albert Einstein
Onde todas as respostas são possíveis, nenhuma resposta tem significado. Isaac Asimov

Assistimos ao filme de Daniel Scheinert e Daniel Kwan, cujo roteiro também é dividido pelos dois cineastas americanos. Baseado em carpintaria original, trata-se de uma ficção "científica" que não tem a premissa de se basear em algo propriamente científico, não há uma máquina que faça o transport no tempo, ou alguma deidade que seja responsável pelo milagre da desmaterialização e recomposição anímico- celular. As dobras temporais aqui são recorrentes, afinal estamos vendo o multiverso em plena fusão com Matrix Reloaded e em certos momentos temos até pitadas de O Máscara, o icônico filme com Jim Carrey.


O filme tem o empoderamento feminino em grande fase. Michelle Yeoh (Oscar de melhor atriz) interpreta de maneira mais que convincente Evelyn Wang, uma mãe que vive os conflitos da mulher chefe de família americana, mesmo tendo ao lado um companheiro, Waymond Wang, vivido pelo excelente e esporádico ator Ke Huy Quan (Oscar de melhor ator). Evelyn eWaymond são donos de uma lavanderia embaixo do apartamento em que moram, e vivem atormentados por dívidas e querelas com a Receita Federal, que tem na soberba Jamie Lee Curtis a personificação do Estado de certa forma totalitário, com a histriônica personagem Deirdre Beaubeirdre.


De maneira paralela, a personagem de Michelle vive de forma constrangedora seus questionamentos do passado, onde um pai ausente mas presente (personagem de James Hong, vivendo Gong Gong - avô em cantonês) exige que os costumes sejam minimamente mantidos. A filha do casal, Joy Wang, vivida por Stephanie Hsu, também carrega dentro de si a "antagonista" do filme, Jobu Tupaki, a onicida que tudo vê e tudo sabe, e que faz o impossível para dar fim aos universos paralelos, criando o caos inapelável e tentando desesperadamente converter tudo em rosquinha (bagel).


Na perspectiva de que o tudo é nada e o nada é tudo, Tudo em todo lugar às vezes estica demais a corda espaço-tempo, ao ponto de você pensar "caramba, quando acaba essa bagaça?" pois duas horas e meia parecem querer levar a muitos lugares ao mesmo tempo agora, de tal maneira que os círculos se amontoam, e ficam eventualmente infernais, agonizantes em certos aspectos. Ao longo da projeção a peneira mental vai refinando as cenas e as frases meio que clichês demais, e próximo do término você inevitavelmente se pergunta: era sobre isso?


A aparente não aceitação do caráter não binário da relação de Joy com Becky (Tallie Medel), personagem quase inexistente e que aparece apenas como escada para as falas de Joy piscarem nos letreiros do multiverso, torna a relação mãe-filha conflituosa e enervante, ao ponto de ambas parecerem reencarnações inimigas movidas pelo rancor ao longo dos séculos. No meio dessa pantomima, Waymond parece encarnar os personagens patéticos de Woody Allen, um homem reprimido e sempre se colocando em um degrau abaixo da matriarca Evelyn, algo que só é quebrado e revertido nos outros multiversos, onde a figura masculina parece retornar ao país dos machos alfa. Aliás, o Alfaverso é onde as coisas parecem se submeter a um god of science, um big brother que com seu onipotente e imenso olho tudo pode antever, mas de maneira inócua, pois o livre-arbítrio das engrenagens meio enferrujadas dos universos é quem dá as cartas digitais.


O niilismo que o filme personifica na antagonista Jobu Tupaki, que madame Wang sempre pronuncia de maneira errada, denunciando a crítica aos vários nomes do antideus, aquele que busca a insolvência do cosmos, acaba por dar-se vencido, talvez pelo cansaço que a maratona existencial provoca também em nós, meros expectadores.


Vamos de cinema dentro do cinema, com menção honrosa a 2001 - Uma Odisseia no espaço, de Kubrick, passando pelo Neo e pelos agentes Smith do já citado Matrix, dos irmãos Wachowski, travestidos de diversas roupagens.


Um dos méritos de Tudo em todo lugar é apresentar uma linguagem que comove em muitos momentos e nos leva ao mesmo tempo a pensar em inúmeras possibilidades. Seja como gatilhos mentais que são disparados na cachola, seja como atos Sui generis, que são a centelha para queimar a mufa e iniciar os processos psíquico-temporais das personagens, a película vai nos desafiando todo o tempo (aqui agradeço a companheira de vida Waléria Barbosa por chamar minha atenção para essa característica) a unir as peças do puzzle dimensional, ainda que seu mote seja resumidamente simples, mãe que procura a filha dentro dos múltiplos espaços de permanência e dissolução.


A cada vez mais próxima e inevitável presença da divindade IA controlando e burlando nossas escolhas, desconstruindo o livre-arbítrio dado pelo Deus cristão, nos faz refletir a que ponto queremos e podemos chegar, se marcaremos presença apenas como Rolling Stones ou seremos o marco humano que será capaz de evitar um fim.



Ficha técnica:


Produção americana (2022)

Direção e roteiro original: Daniel Scheinert e Daniel Kwan

Elenco: Michelle Yeoh, Ke Huy Quan, Stephanie Hsu, Jamie Lee Curtis, Tallie Medel


Filme ganhador de 7 Oscar (Melhor filme, melhor direção, melhor roteiro original, melhor atriz, melhores ator e atriz coadjuvantes, melhor montagem)


Nota do blog: 7,0

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