Um épico sem passado, porém com muito futuro
Atualizado: 26 de nov. de 2019
Uma análise não muito aprofundada de Bacurau
Ao seguir o travelling de abertura que os diretores Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho - que também assinam o roteiro -, nos propõem, nossos olhares não só acompanham atentos, mas vão aos poucos grudando na tela. Cada detalhe passa a ser importante, cada take, close ou geral nos leva a querer como aprendizes de detetives desvendar o mistério que se anuncia, na forma de reviravoltas, certa porra louquice genial e ótimo desempenho do elenco; as peças do quebra-cabeça vão se encaixando aos poucos, de forma nem tão silenciosa.
Passado em algum lugar do Nordeste brasileiro, em futuro nem tão tão distante, Bacurau é apocalíptico sem histrionismos, sem cenários que induzam a outro planeta ou a um tempo mítico. Ao debater desde a questão que já parecia resolvida de irrigação do Nordeste, a falta de água, bem supremo e já tão personalizado em várias películas americanas (Waterworld, a saga Mad Max e Rango são referências que vem logo à mente), mas também em filmes do Cinema Novo de Glauber Rocha, nos agrestes de Graciliano Ramos com seus Vidas Secas e São Bernardo, e de João Cabral de Mello Neto com sua Morte e Vida Severina, o longa discorre também sobre colonialismo e extermínio sócio-político-coletivo, temas que perduram na história brasileira desde sempre e neste momento tão falados em todos os cantos do país. Bacurau comete com isso uma licença que nada tem de poético. Sua perspectiva no espaço-tempo é do pior para o melhor, o que por si já justifica ficar pouco mais de duas horas ligadaço, aguardando os desdobramentos e torcendo pelo desfecho.
A trilha sonora que permeia Bacurau é minimalista, o silêncio do seco está infiltrado em tudo, de um modo tangível e avassalador; a direção de arte, a cenografia, a orquestração do elenco funcionam que é uma belezura, de tão desidratados, como se as pedras não desenvolvessem limo, porém está tudo conectado, tudo é muito bonito, mesmo na violência gráfica de certas cenas.
Talvez Ficção científica seja uma das maneiras menos adequadas de classificar o filme; eu o colocaria na categoria suspense, drama e até terror, esses três elementos se misturam em doses alternadas e equilibradas, nos levando da inquietação à reflexão ao jump scare - por que não? - com maestria pela dupla de diretores. O recente prêmio ganho em Munique só nos autoriza ainda mais a nos orgulhar por sermos brasileiros, capazes de produzir com conteúdo e sinergia uma das melhores películas brasileiras de todos os tempos, para além dos desgovernos.
Ficha técnica:
Produção: Brasil - França (2018)
Direção e roteiro: Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho
Duração: 132 minutos
Elenco:
Sônia Braga (Domingas) Udo Kier (Michael) Barbara Colen (Teresa)
Thomas Aquino (Acácio) Silvero Pereira (Lunga) Thardelly Lima (Tony Jr.)
Rubens S. Santos (Erivaldo) Wilson Rabelo (Plínio)
Nota 9,5, com louvor
Imagens: internet
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